Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

A daily stopover, where Time is written. A blog of Todo o Tempo do Mundo © / All a World on Time © universe. Apeadeiro onde o Tempo se escreve, diariamente. Um blog do universo Todo o Tempo do Mundo © All a World on Time ©)

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Meditações - Ano Novo

Que espera a multidão
com este frio,
plantada ali defronte à estação
do Rossio?

Nada que justifique uma pneumonia...
Nada, afinal, para que assim se afoite:
- Espera apenas o fim de mais um dia,
quando o relógio marque a meia-noite.

Só há que o fim do dia por que espera
é, simultaneamente, o fim de um desengano
e o princípio de mais uma quimera
que, para muitos, vai durar um ano...

E a multidão - que vive o seu presente
em sonhos sem tom nem som -
está de nariz no ar, ansiosamente
à espera do Ano-Bom!

Espera, como quem espera
depois da fome, o pão;
depois do Inverno, a Primavera;
no tribunal - a salvação!

E quando, enfim, se cruzam os ponteiros
e a meia-noite soa,
o delírio electrisa os mais ordeiros
e sai fora de si o povo de Lisboa!...

O chinfrim ensurdece
e dir-se-ia que tudo se conhece,
tantos são
os abraços que se dão!

Soltam-se vivas, gargalhadas, gritos!
Bate-se em latas, tachos, caçarolas!
Tocam-se gaitas, sopram-se apitos
e dizem-se graçolas!...

Mas passada a vertigem de balburdia
da eterna farça da passagem do ano
- sobre a cidade em esturdia
cai o pano!

A vida, como sempre, continua
nem melhor nem pior: - tal qual o que era.
E a multidão dispersa, rua em rua,
mas... não desiste de ficar à espera!

Silva Tavares (1893-1964), in Calendário de Lisboa

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