Est. June 12th 2009 / Desde 12 de Junho de 2009

A daily stopover, where Time is written. A blog of Todo o Tempo do Mundo © / All a World on Time © universe. Apeadeiro onde o Tempo se escreve, diariamente. Um blog do universo Todo o Tempo do Mundo © All a World on Time ©)

sábado, 12 de maio de 2012

Relógio Audemars Piguet Royal Oak - 40 anos de história


Um dos modelos comemorativos do Royal Oak

Criado por Gerald Genta em 1972, era “o relógio de aço mais caro do mercado”

Royal Oak – há 40 anos a navegar com sucesso

Fernando Correia de Oliveira* **

 Foi o primeiro relógio desportivo de luxo, rompendo conceitos estéticos e usando o aço como se fosse um metal precioso. O Royal Oak ajudou a Audemars Piguet a ultrapassar a crise do quartzo e mantém-se hoje como modelo ícone da manufactura.

Há 30 anos, a Península Ibérica vivia em ditadura, mas os regimes de Lisboa e Madrid começavam a dar já sinais de desgaste e fraqueza. A comunidade internacional isolara um e outro e as transições democráticas iriam chegar brevemente. Mas 1972 começara de forma sangrenta na Europa – em Janeiro, em Derry, na Irlanda do Norte, a repressão do exército britânico sobre os independentistas católicos saldava-se em 13 mortos (o episódio, conhecido como Bloody Sunday, iria inspirar uma das mais conhecidas canções dos U2). O Presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, iria ficar na história, pelos melhores e piores motivos – em Fevereiro, fazia uma inesperada visita à China; meses depois, começava o escândalo Watergate, que iria levar ao seu afastamento. 

O mundo vivia a tensão da Guerra Fria e a Europa mantinha-se dividida, num quadro saído da II Guerra Mundial. Nos Jogos Olímpicos, em Munique, palestinianos do Setembro Negro atacavam a delegação israelita, tendo sido assassinados onze atletas. A Alemanha Federal sagrava-se campeã da Europa em futebol, o alemão Heinrich Böll era Prémio Nobel da Literatura. Em Londres, estreava-se Jesus Cristo Superstar, de Tim Rice e Andrew Lloyd Webber. O filme O Último Tango em Paris, de Bernardo Berttolucci, com Marlon Brando e Maria Schneider, provocava o escândalo generalizado. A França apresentava o TGV. Nascia o conceito de Tempo Universal Coordenado (UTC), que vinha substituir o conceito de Tempo Médio de Greenwich (GMT). E a indústria relojoeira suíça morria uma morte que parecia rápida e inexorável.

O aparecimento da tecnologia do quartzo e o inundar dos mercados com relógios fiáveis e baratos por parte do Japão provocou uma hecatombe no sector, na década de 70 e no início dos anos 80. Segundo números da Fédération de l’industrie horlogère suisse (FH), dos 90 mil trabalhadores que tinha em 1970, chegou aos 30 mil em 1984. As empresas, que eram 1.600 em 1970, diminuíram para menos de 300 no auge da crise (são cerca de 600 hoje em dia, empregando cerca de 50 mil pessoas).

“Os efeitos do quartzo sobre a indústria relojoeira tradicional são devastadores”, reflecte Dominique Fléchon na sua mais recente obra, La Conquête du Temps (Flammarion, 2011). “Inúmeras manufacturas, entre elas algumas emblemáticas, como a francesa Lip, desaparecem. Os relojoeiros mais velhos são reformados, os outros tentam reconverter-se. As escolas de relojoaria fecham. Uma placa de chumbo abate-se sobre uma profissão sinistrada”.

Perante este cenário, não será difícil visualizar o clima de desesperança, de algum desespero mesmo, que rodeia a edição de 1972 da Feira de Basileia, já então a montra principal do sector a nível mundial.

Embora a pesquisa e o desenvolvimento se centrassem então, mesmo na Europa, no melhoramento da medição electrónica do tempo, “alguns raros mestres relojoeiros perseveravam, ignorando o perigo, como se a mecânica, por milagre, pudesse vir a responder aos novos desafios impostos pelo progresso ávido de uma precisão que os meios tradicionais não podiam, inexoravelmente, satisfazer mais”, escreve Fléchon.

Mas, ao mesmo tempo, começava a surgir por essa altura uma nova clientela – ousada, activa, adepta dos desafios profissionais e desportivos, de um estilo de vida dinâmico. Os relojoeiros devem então inventar relógios susceptíveis de acompanhar os homens de acção em todas as suas actividades quotidianas, profissionais ou de lazer. O cronógrafo, sobretudo o automático, acabado de inventar (1969), popularizava-se. Respondendo a essa realidade, no final dos anos 60 e início dos anos 70, uma nova abordagem estilística começa a atingir o design dos relógios de pulso.

Após várias décadas, o relógio técnico adopta a forma tonneau, dando-lhe um lado masculino, reforçado pela caixa em aço, menos caro que o ouro. Clássico e robusto, o relógio desportivo atrai agora aqueles que vêm nele também um objecto elegante, um acessório, e ao mesmo tempo um instrumento que evoca o ambiente das corridas de automóveis. Aparecem as caixas quadradas.

É por essa altura que, “procurando um relógio que nunca tenha existido”, a respeitável e histórica manufactura Audemars Piguet aborda o designer Gerald Genta. E, na Feira de Basileia de 1972 é apresentado o Royal Oak, o primeiro relógio desportivo de luxo, com caixa em aço, “metal deliberadamente promovido à categoria dos metais preciosos”, lembra Fléchon. A sua luneta octogonal, com parafusos aparentes e montada numa caixa com oito lados, alinha ao gosto da época, num revivalismo do tonneau Art déco.

Durante a apresentação do Royal Oak, “o mundo relojoeiro está tão surpreendido como céptico: este relógio em aço é, na verdade, mais caro que muitos relógios em ouro!”, sublinha o historiador. “No entanto, o Royal Oak conhecerá um sucesso planetário e durável”.

O Royal Oak original (49 x 39 x 3 mm) tinha o mostrador com decoração guilloché, tipo tapeçaria. E vinha com um calibre automático, com rotor central, o mais fino da sua época. Indicava horas, minutos e data (numa janela, às 3 horas). E, outro aspecto revolucionário e tecnicamente difícil de resolver, tinha pulseira em aço, totalmente integrada na caixa.

Gerald Genta, falecido em Agosto do ano passado, aos 80 anos, nasceu em Genebra, filho de mãe suíça e pai italiano. A sua formação inicial foi em joalharia e ourivesaria, mas o primeiro emprego que teve, nos anos 50, foi logo na relojoaria – contratado pela Universal Genève, desenvolveu ali um calibre automático, com micro-rotor, que colocou no primeiro relógio que desenha, o Polerouter. Seguiram-se, para a mesma marca, o Golden e o White Shadow (equipados com micro-rotores e calibres eléctricos Unisonic e Accutron, a tentativa de resposta suíça ao quartzo).

Gerald Genta começa a ser conhecido como designer, e a ser solicitado por muitas manufacturas, tendo criado, para além do Royal Oak, dos modelos mais conhecidos de sempre na relojoaria de pulso – o Omega Constellation (1959), o IWC Ingenieur (1976), o Patek Philippe Nautilus (1976) ou o Cartier Pasha (1997). Desde 1969 que tem a sua própria marca, especializada em sonneries e em encomendas especiais para ricos e famosos. Durante os anos 80, Genta obteve licença da Walt Disney e produziu séries limitadas onde personagens como Mickey Mouse, a Minnie Mouse, o Pato Donald ou o Pateta aparecem em relógios em ouro.

Como surgiu a ideia do Royal Oak? Gerald Genta nunca foi muito preciso quanto a isso, invocava a falta de documentos, de memória…

Gregory Pons, jornalista francês que acompanha há quatro décadas o sector, dá-nos alguns pormenores, depois de várias conversas com Genta. Mas principalmente com a viúva e a filha, que trabalhavam com ele no atelier de Genebra. “Os primeiros traços a lápis não foram propriamente para um relógio desportivo, mas para um trabalho sobre a caixa”, refere o especialista. “A forma octogonal já lá estava há muito na sua cabeça, ele sempre teve intenção de fazer um relógio com essa forma. A ideia dos parafusos ou a inspiração no portaló da linha de veleiros Royal Oak surgiu muito mais tarde”.

Pons revela ainda outro pormenor inédito – foi um pedido do importador da Audemars Piguet para Itália, Roberto Carlotti, que terá desencadeado o processo de encomenda do Royal Oak. O mercado italiano era na altura o mais importante para a marca e, tal como hoje, marcava as tendências estéticas. Carlotti começava a ter dificuldade em vender relógios suíços, de grande qualidade, mas com caixas de estética demasiado conservadora. E pediu à manufactura do Brassus que criasse algo de novo, em aço, para que não fosse tão caro como os de ouro, com movimento simples, mas de formas modernas, adaptadas a uma clientela mais nova e dinâmica.

“Existia, assim, do lado de Genta, uma caixa octogonal; e do lado do importador italiano, um pedido para um relógio simples, em aço. O Royal Oak nasceu desta dupla realidade”, diz Pons.

Na Primavera de 1971 o projecto para o novo relógio é aprovado internamente pela Audemars Piguet. Mas as máquinas de produção não estavam preparadas para o fabrico de caixas em aço e o investimento, em tempos de crise, ia ser volumoso. Mesmo assim, o relógio fez-se. Genta e Carlotti acreditavam muito no Royal Oak. O designer terá mesmo oferecido o projecto à manufactura, para apressar a decisão de produção. E Carlotti encomendado um número de peças suficiente para minimizar o risco.

Na Feira de Basileia de 1972, prudentemente, a Audemars Piguet lança uma série muito limitada de mil Royal Oak (tantos quantos Carlotti tinha encomendado…). “O mercado alemão iria encomendar mais 300, os outros mercados mais umas quantas centenas, o que irá dissuadir Georges Golay, o director fabril da Audemars Piguet, a não dispensar a máquina de caixas que tinha usado para os primeiros Royal Oak, como tinha pensado”, garante Pons.

Numa altura em que o marketing dava os primeiros passos e numa indústria muito conservadora, o lançamento do Royal Oak foi quase clandestino. Mas Gerald Genta, um iconoclasta criativo, sabia que tinha feito “o relógio em aço mais caro do mercado” e passou a comunicar esse facto (o Royal Oak custava 3.650 francos suíços, quando um Patek Philippe Calatrava, de quartzo, mas em ouro, custava 2.000 francos suíços). Pormenor que acumulava mais-valias entre o público novo e disponível que se estava a formar. As encomendas foram crescendo e a Audemars Piguet apercebeu-se do êxito que tinha em mãos. O Royal Oak iria gerar receitas que permitiriam às famílias Audemars e Piguet (ainda hoje à frente do negócio) sobreviver o período crítico do quartzo.

Gérald Genta “sublinhou ao máximo o aspecto industrial do Royal Oak, ao colocar os parafusos na luneta. Parafusos inspirados, segundo colaboradores próximos, nos parafusos que se encontram nos capacetes dos escafandristas, que o fascinavam”, afirma o especialista. “No início dos anos 70, esta brutalidade técnica do design impõem-se como um factor de ruptura dos códigos, aparentemente apreciado por uma nova geração de consumidores, mais jovens, menos conformistas, muito diferentes dos coleccionadores que tinham sido até então os principais clientes da marca”.

E o nome Royal Oak? Terá saído igualmente da imaginação de Gerald Genta. Inspirado no veleiro histórico, nos seus canhões e portalós.

O Royal Oak foi depois sendo declinado, ao longo dos anos, pela designer da manufactura, Jacqueline Dimier. É ela a responsável pelo lançamento do modelo feminino ou pela utilização de calibres complicados na linha Royal Oak. Em 1993, surge o Royal Oak Offshore, autoria do designer Emmanuel Gueit. Depois, o Royal Oak Concept, com a utilização de novos materiais. Tudo isso tem feito do Royal Oak um dos modelos mais bem sucedidos e perenes de toda a indústria.

*Jornalista e investigador do Tempo


Outro dos modelos comemorativos do 40º aniversário do modelo

Os 40 anos do Royal Oak em livro 


Para comemorar o 40º aniversário do Royal Oak, o primeiro relógio desportivo de luxo, a Audemars Piguet patrocinou a edição de um livro de 300 páginas consagrado à história deste perene e lendário modelo, desenhado por Gerald Genta.

A obra, profusamente ilustrada, traça os 137 anos de história da manufactura Audemars Piguet e narra as quatro décadas do Royal Oak, desde a sua criação, em 1972. O livro surge no contexto da exposição itinerante sobre o 40º aniversário do modelo, que se iniciou em Nova Iorque, e que seguirá depois para Milão, Paris, Beijing, Singapura e Dubai.

Da autoria de Martin K. Wehrli e Heinz Heimann, a obra Royal Oak custa 100 €

O Carvalho Real 


Em meados do século XVI, a Inglaterra era governada por Carlos I, da casa escocesa dos Stuart. O rei estava em litígio permanente com o Parlamento, em Londres. E, em 1642, deu-se mesmo a guerra civil. Com a vitória dos parlamentares. Em 1649, Carlo I é levado a julgamento. Considerado culpado de traição à Inglaterra e ao seu povo, foi decapitado. Dois anos mais tarde, o seu filho, também Carlos, foi coroado rei da Escócia. Invadiu a Inglaterra, mas foi igualmente derrotado. Em fuga, Carlos rei da Escócia era agora procurado pela ilha, com a cabeça a prémio. Conta a lenda que, a determinada altura, se refugiou no tronco oco de um carvalho. Com a ajuda de adeptos ingleses, Carlos teve muitas aventuras, naquilo que ficou conhecido como o Monarch’s Way (caminho do monarca). Eventualmente, conseguiu chegar à costa sul de Inglaterra e zarpar com destino a França. Enquanto isso, a Inglaterra passava a república e era governada por Oliver Cromwell. Uma ditadura que, após a morte de Cromwell, em 1658, levou a que se encarasse o fugitivo rei Carlos com outros olhos… E, assim, o Parlamento inglês pede que ele regresse do exílio, em França. O que ele faz, em 1660. A partir de então, nenhum rei ou rainha inglês foi coroado na Escócia, e foi graças ao Royal Oak que Carlos II conseguiu sobreviver e chegar eventualmente ao trono, em Londres. O seu reinado restaura a monarquia, até hoje. Em honra de toda esta história, a Marinha britânica tem tido uma linhagem de vasos de guerra a que dá o nome de Royal Oak.

** Texto publicado no último número da revista Espiral do Tempo

Sem comentários: