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sábado, 19 de novembro de 2011

Memória - Utopia mecânica ou a influencia da Relojoaria na Filosofia II

Utopia Mecânica

Fernando Correia de Oliveira *

Rousseau, d’Alembert, Chamfort, Voltaire e a Relojoaria II

Aquele de entre os protagonistas do Século das Luzes que mais relacionamento teve com a Relojoaria foi, sem dúvida Voltaire. “O Universo embaraça-me, e não posso pensar que este relógio existe e não tem relojoeiro”, refere este teísta, que acreditava num Ser Supremo criador e guardião da Harmonia das Esferas. “Se um relógio não é feito para mostrar as horas, pensarei então que as causas finais são quimeras”, decreta ele no seu determinismo.

O séc. XVIII assistiu no Ocidente europeu à secularização da religião, retirou os padres do centro da sociedade e substituiu-os pelos intelectuais. A nova “bíblia”, sem milagres, passou a ser a Enciclopédia, de Diderot e d’Alembert, cujas definições analíticas e frias, muitas delas escritas pelo próprio Voltaire, desdenhavam das efabulações das Escrituras.

Mas Voltaire venerava Deus ou, pelo menos, respeitava a Inteligência que ele pensava estar por detrás da construção do Universo; tal como os seus colegas teístas, o Criador que ele venerava assemelhava-se a um relojoeiro.

François Marie Arouet (1694-1778), que escolheu como nome literário Voltaire, foi mesmo industrial e comerciante de relojoaria. E tentou fazer à volta da comunidade de operários e artesãos que dirigiu uma sociedade perfeita.

Voltaire montou em Ferney, localidade francesa junto da fronteira com a Suíça, nos arredores de Genebra, uma fábrica de relógios, congregando voluntários do ofício que o quisessem seguir.

Voltaire comprara terras em Ferney em 1758, quando tinha 64 anos, regressando a França de um exílio que o tinha levado a Londres, à Prússia e a Genebra. Construiu lá um castelo, e passou a viver nele com a sobrinha, a partir de 1760, recebendo na sua “corte” os notáveis da Europa.

Senhor de grande fortuna, fruto de um labor intelectual intenso, mas também de empréstimos a nobres arruinados, que lhe pagavam em forma de tença vitalícia, Voltaire tinha espírito empresarial e na sua correspondência definia-se, além de intelectual, como “agricultor”, “vinicultor”, “jardineiro”, trabalhador”, “arquitecto” ou “bibliotecário”. É a partir de 1770 que se intitula orgulhosamente como “empresário de relógios de Ferney” ou mesmo como “relojoeiro”.

Como é que Voltaire foi atraído a esta actividade insólita? “Voltaire conhecia todas as modas do seu tempo e nomeadamente a moda dos autómatos”, refere a historiadora francesa Isabelle Frank Luxemburg, que investigou a relação do filósofo com o Tempo. “No seu Sexto Discurso do Homem (1737) ele já tinha expresso a sua admiração pelo Flautista criado dois anos antes por Vaucanson, o grande percursor de Jaquet-Droz”, refere a especialista. “Ele interessava-se também pela relojoaria, arte mecânica por excelência no séc. XVIII, como demonstra o facto de d’Alembert ter feito no Discurso Preliminar da Enciclopédia (1751) o elogio da perfeição dos relógios contemporâneos”.

*Investigador do Tempo, da Relojoaria e das Mentalidades

Continua
*Texto publicado na revista Espiral do Tempo

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