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segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Memória - Gnomónica em Portugal: da pré-história ao Renascimento*



Pré-história

Quando e como começaram os homens e mulheres que habitaram o território a que hoje chamamos Portugal a “pensar” o Tempo, a ter dele consciência, a medi-lo?

Terá sido no Neolítico final e começos da Idade do Cobre (3000-2500 a.C.) que surge a magnífica, exuberante, misteriosa cultura megalítica – esse grande arco que terá por cenário praticamente a totalidade dos territórios a que hoje designamos por Portugal, Espanha, França, Irlanda, Dinamarca, Grã-Bretanha e Alemanha.

Aos nossos dias chegaram conjuntos monumentais, pedras enormes, colocadas umas sobre as outras, umas ao lado das outras, mas especialmente orientadas – antas ou dólmenes, menires, cromeleques, que os especialistas associam a espaços sagrados, a monumentos funerários, mas também à surpreendente função de marcadores do tempo, através da projecção da sombra do sol, ao longo do ano.

Portugal é especialmente rico nesses conjuntos, nomeadamente no Alto Alentejo, na Beira Baixa, no Minho. Os cromeleques (conjuntos de menires) de Vale de El-Rei ou Fontaínhas Velhas (Móra), dos Cuncos (Montemor-o-Novo), Couto da Espanhola (Idanha-a-Nova), Portela de Mogos ou Almendres (Évora), de Xarez (Reguengos de Monsaraz) são disso esplêndidos exemplos, estudados na sua orientação e função.

A direcção para o quadrante de sudeste da entrada dos corredores da maioria dos dólmenes do Alto Alentejo, repetida durante séculos, confirma, pelo menos, alguns preceitos rituais fortemente radicados e conotados com conhecimentos de uma antiga, e talvez incipiente, astronomia, diz-se. Mas o que mais surpreende os especialistas é que essa orientação se repete, durante aproximadamente dois milénios, em todo esse arco de cultura megalítica, das planícies hoje alentejanas às montanhas hoje britânicas. Os monumentos megalíticos estão todos dirigidos para o quadrante situado entre nordeste e sudeste, ou seja, para os pontos de amplitude máxima e mínima do nascer do Sol ao longo do ano.

Não é difícil imaginar toda uma linguagem, teatralizada, desempenhada por alguns “eleitos”, uma casta de sacerdotes, com direito a penetrar o espaço sagrado delimitado pelo conjunto de pedras. Casta essa que sabia a data exacta, a hora exacta, ano após ano, do espectáculo solar, num calendário que marcaria os ritmos, muito para além dos agrícolas. Calendários, sempre foram instrumentos de poder, de quem tem o poder.

Temos pois que, os primeiros calendários “portugueses”, ao mesmo tempo relógios de sol, ainda e sempre prontos a funcionar, a indicar equinócios e solstícios, datam de há cinco mil anos.
A chamada “cultura castreja” que se seguiu (700 a.C.), a dos povos celtas que entretanto foram invadindo o território, apenas terá continuado a utilização sócio-religiosa e de instrumento astronómico-astrológico-calendário destes conjuntos megalíticos. Da ténue ocupação fenícia, grega, cartaginesa que se seguiu (na orla costeira, em entrepostos comerciais) não nos chegaram quaisquer artefactos sobre a medição do tempo.

Ocupação romana

Em 218 a.C. o exército romano entra pela primeira vez na Península Ibérica. Com a rendição da cidade de Gades, em 206 a.C., termina o domínio cartaginês do território. Em 197 a.C. a península já estava dividida em Hispânia Ulterior e Citerior. Os Lusitanos, cujo território não se confinava ao espaço compreendido entre o Tejo e o Douro, antes se prolongava, para sul, até à região de Cáceres, revoltam-se por volta de 155 a.C. contra a ocupação romana. Viriato assume em 147 a.C. a liderança dessa resistência e, após uma trégua, é reconhecido como “amicus populi Romani”. Mas é morto em 139 a.C. Na resistência, segue-se Sertório, mas também ele acaba por ser assassinado (72 a.C.). Depois de campanhas ferozes comandadas pelo próprio Júlio César, inicia-se a pacificação definitiva do território (44 a.C.).

Instaurada a Pax Romana, o processo de romanização é avassalador, provocando nos povos autóctones mudanças económicas, sociais, económicas e culturais profundas, que duraram até hoje (língua, ordenamento básico do território, através de grandes vias de comunicação e fundação ou solidificação de agregados urbanos, ordenamento jurídico, etc.). Este mundo irá acabar apenas no início do século V (409, através da acção de Alanos, Vândalos e Suevos, primeiro, de Visigodos, pouco depois), aquando das invasões bárbaras.

Os romanos terão tomado conhecimento com a ciência gnomómica através dos gregos. Depois da conquista da Grécia, trouxeram para Itália relógios de sol, que não sabiam estar orientados para outras latitudes, mas continuaram, aparentemente, a servir-se deles, em locais públicos, incluindo Roma.

A falta de exactidão desses relógios de sol talvez não preocupassem em demasia os romanos, já que o dia no império, embora dividido em 24 horas – 12 de dia e 12 de noite – tinha duração diferente para essas unidades, consoante eram diurnas ou nocturnas, e consoante as estações e a latitude do lugar onde se estava. Uma confusão, que já os gregos tinham admitido. Séneca, na sua obra Apocolocyntosis, diz a dada altura que “é mais fácil pôr de acordo dois filósofos que dois relógios”…

De qualquer modo, o dia romano tinha início com a “hora prima” – sempre o nascer do sol, quando começava o período de “alba” – seguia-se o “mezzogiorno” e o “tramonto”. A noite era dividida em quatro “vigiliae”.

Os primeiros relógios de sol terão entrado no território que é hoje Portugal através da conquista romana. Mas é grande a raridade e escassez de referências a esse tipo de artefactos. Deste período, foram encontrados até hoje alguns exemplares, como um, em barro, em Conímbriga; um, de quadrante esférico, proveniente da vila romana da Herdade da Olivã, Campo Maior, junto à fronteira espanhola; ou um fragmento, em pedra, no teatro romano de Lisboa e outro, também em pedra, na vila de Freiria (S. Domingos de Rana, Cascais).

Quanto a este último, foram recuperados dois fragmentos, em calcário da região, permitindo a reconstituição da quase totalidade do relógio, cerca de três quartos, e determinar, desde logo, que se trata de um quadrante de tipo cónico, e gnómon horizontal, expressamente construído para uma latitude muito próxima da do local: 39-40 graus.

De secção meio cilíndrica, apresenta um orifício central na parte superior, para fixação do gnómon, com 12 mm de diâmetro e a profundidade de 28 mm. No pequeno buraco observam-se, ainda, vestígios de chumbo.

Mas o exemplar mais interessante, até porque o único rigorosamente datado e aquele que alguma controvérsia tem gerado, é um que não foi até hoje descoberto mas cuja existência está documentada numa inscrição.

Estamos a referir-nos a uma lápide romana, de 16 a.C., trazida de Idanha-a-Velha por um antigo Conservador do Museu Etnológico Português (hoje Museu de Arqueologia). Diz-nos Leite de Vasconcelos, em 1915, que se tratava da mais antiga inscrição romana no espólio do museu. Nela se lê “(h)orarivm”, e, segundo ele, poderá ter figurado num edifício construído de raiz para albergar um relógio de sol, na praça ou “forum” da capital dos Igaeditani. “É uma das nossas mais notáveis lápides epigráficas, tanto pela sua significação, como pela vetustez e por estar datada”, refere aquele que foi também Director do Museu Etnológico.

A norte do Tejo, a hoje Idanha-a-Velha (Civitas Igaeditanorum), a capital da Igitânia, revelou-se como o centro romano mais rico em inscrições latinas (mais ou menos 200), traduzindo a importância da urbe nas rotas comerciais da região no século I da nossa era.

A inscrição, uma das mais antigas que se conhecem em território da Lusitânia, diz-nos que um tal Q. Iallius Augurinus mandou construir, à sua custa, um “(h)orarivm” (relógio), que ofereceu à cidade de Igaeditanis.

Depois, interessou-se por ela o arqueólogo Scarlat Lambrino, que faz notar o seguinte pormenor: o termo (h)orarium é usado, pela primeira vez com o significado de relógio (de sol). Anteriormente, tinha sido usado para significar “relógio de água, clepsidra”. Normalmente, os romanos designavam “relógio” através do neologismo grego que deu o equivalente latino de “horologium”, termo este que aparece frequentemente em outras inscrições.

Seria o relógio da Idanha um relógio de água, uma clepsidra, que é um engenho “de um mecanismo muito mais delicado?”, pergunta Lambrino. “É verdade que o uso destes aparelhos se tornou corrente em Roma durante o reinado de Augusto e que na segunda metade dos séculos I e II da nossa era o seu uso expandiu-se muito mais”, refere. “Mas a nossa inscrição é do ano 16 a.C. e estamos no extremo ocidental do império”, conclui, defendendo pois que a lápide se referia à oferta de um quadrante solar.

Quem seria Q. Iallius Augurinus? “Como ele não ostenta nenhum título, podia tratar-se de uma personagem rica da cidade”, diz-nos Lambrino. Mas o especialista diz que isso é pouco provável, inclinando-se antes para a hipótese de se tratar de um industrial ou comerciante da vizinha Emérita (a Mérida de hoje), que ia à Idanha em negócios. Os quatro “magistri” da cidade (poder municipal) ficaram encarregados da fiscalização da construção da edificação onde ficaria albergado o relógio em questão. Estão identificados na lápide segundo a fórmula local: nome e filiação, e nenhum ostenta os “tria nomina” de um cidadão romano. “Estas quatro personagens são todas provavelmente celtas”, arrisca Lambrino.

“A doação de um instrumento tão útil à vida urbana, ocorrida no ano 16, ou seja, três anos apenas após o fim das guerras contra os Astúrios e os Cantábrios, mostra que a pacificação da Península por Augusto permite à civilização romana expandir-se rapidamente até à costa atlântica”, escreve Lambrino.

Mais recentemente, o arqueólogo Vasco Mantas, em comunicação apresentada em 1988 num congresso em Santiago de Compostela, voltava a sugerir, pelos motivos etimológicos já apontados (mas afastados) por Lambrino, que o relógio da antiga Igaiditanis era de água (clepsidra) e não de sol.

De qualquer modo, os relógios públicos serão de uso comum no início do século II, regulando a vida e o trabalho nas cidades lusitanas. A prova disso é que até uma pequena cidade operária como a de Metallum Vipascence (Aljustrel), no Alentejo, devia ter um. Graças a uma das célebres tábuas encontradas nesse local e que contêm o regulamento mineiro da localidade, sabemos que ali existiam umas termas, mas à disposição dos habitantes a horas fixas: as mulheres podiam usá-las desde o nascer do sol e até à sétima hora, os homens a partir da oitava hora do dia. E como é que os vispacences sabiam a que horas andavam? Muito provavelmente, através da consulta de relógio(s) de sol.

Idade Média

Com a queda do Império Romano ocorreu um longíssimo período de deliquescência social e de decadência a todos os níveis, e a gnomónica não foi excepção. Na Península Ibérica, primeiro, deram-se as invasões bárbaras, que nada de novo do ponto de vista de conhecimento tecnológico ou científico parecem ter trazido. Com a ocupação islâmica, o tempo passou a ser regido por uma religião para a qual a exactidão do tempo não tinha qualquer importância – os ritmos comunais passam a ser dirigidos pelos muezzin, que faziam os seus chamamentos à oração mediante observação directa da altura do sol, a cada dia que passava. Mesmo assim, alguns sábios árabes, lendo das fontes gregas, traduziram tratados de gnomónica que, apesar de não terem sido utilizados na prática, permitiram, mil anos depois, que a ciência se não perdesse e pudesse ser recuperada.

Com o advento dos Beneditinos, a ordem que moldou a ideia de Europa, as suas regras obrigavam a uma grande atenção ao tempo – para rezar, para trabalhar, para estudar. Foi por essa altura que se difundiu por toda a Europa um novo tipo de relógio de sol, que estava dividido para as “horas canónicas” ou “temporais”. Só no séc. XV se começam a substituir os relógios “canónicos” por outros, de horas “comuns”.

Em Portugal, onde a ordem de S. Bento foi essencial para a formação da nacionalidade, os mosteiros dos séculos XII e XIII estariam equipados com estes quadrantes solares. Alguns ainda restam, ao estilo românico (muitos terão desaparecido, levados para o estrangeiro, dada a incúria nacional para com este tipo de património), mas até hoje não encontramos nenhum exemplar datado. Pelo que, embora por esse motivo, o primeiro relógio de sol em Portugal, datado, continue a ser um exemplar de 1586.

É o relógio de sol que se encontra no Hospital dos Capuchos, em Lisboa. Encontra-se num pátio, sobre uma base de alvenaria coberta com azulejos setecentistas e possivelmente não foi esta a sua primeira instalação. Assinado “FPL 1586”, dá-nos o nome do autor e o ano do fabrico. Tem três quadrantes – um horizontal, um vertical, meridional, sem declinação e um equinocial, setentrional.

Ao falar de relógios de sol, muitas vezes se referem “quadrantes solares”, tomando a parte pelo todo, já que o “mostrador” de um relógio de sol tem o nome específico de quadrante. Além disso, emprega-se muitas vezes o vocábulo “meridiana” para indicar indiferenciadamente relógios de sol. No entanto, uma meridiana, no sentido exacto do termo, é um relógio de sol que tem por função marcar apenas o momento do zénite solar num determinado local, e está normalmente associado a um mecanismo sonoro (geralmente um pequeno canhão) que entra em acção exactamente ao meio-dia solar (o chamado tempo verdadeiro).

Meridianas, em Portugal, estão detectadas pelo menos cinco, todas em palácios que já foram residências reais. A do Palácio Nacional da Ajuda (Latitude 38º 44’ N – Longitude 9º 9’ W); a do Palácio Nacional de Mafra (Latitude 38º 56’ N – Longitude 9º 20´W); a do Paço da Rainha, Academia Militar, Lisboa (Latitude 38º 44’ N – Longitude 9º 9’ W); a do Palácio Nacional de Queluz (Latitude 38º 45’ N – longitude 9º 15’ W); e a do Palácio Nacional de Sintra (Latitude 38º 48’ N – Longitude 9º 23 E).

Renascimento



É um pequeno objecto, em marfim trabalhado, e Leite de Vasconcelos fala dele “en passant” nos seus escritos do início do século XX, sem o contextualizar. Refere o etnólogo apenas “uma meridiana em marfim” entre o espólio do Museu Nacional de Arqueologia directamente relacionado com o tempo e a sua medição.

A elegante peça que se encontra em Lisboa é gravada nas duas faces. Chega-se facilmente à conclusão de que não se trata de uma meridiana completa – é apenas a metade superior de um conjunto cuja base, possivelmente também em marfim, teria uma bússola. É este pelo menos o aspecto normal das meridianas produzidas à época.

Na face exterior, notam-se os furos onde assentariam os gnómons (ou espigões, geralmente em metal, que servem para projectar a sombra do sol numa escala e, assim, darem as horas). Além de três escalas nessa face, a peça está datada (1556) e assinada – Iohann Gebhart Nor.
Pois este tal Gebhart é dos artífices mais referenciados entre os que, nos séculos XVI e XVII fizeram da cidade alemã de Nuremberga um dos pontos mais importantes de construção de instrumentos científicos da Europa (do mundo).

Num livro publicado em Cambridge em 1988, aquando de uma exposição de relógios de sol, “The Ivory Sundials of Nuremberg 1500-1700”, Penelope Gouk refere vários exemplares deste artífice, que também assinava “Johann Gebhart Norenberge Faciebat”.

No exemplar que se encontra em Lisboa, apenas o nome e a abreviatura da cidade. Depois, na face interior, com um ornamento solar muito característico deste artífice, está uma espécie de relógio de sol universal, com a possibilidade de se saber a hora nas principais cidades europeias. Os números em frente do nome de cada uma das urbes dizem respeito às latitudes respectivas, tal como tinham sido calculadas à época. Danzig, Cracóvia, Praga, Viena, Colónia, Antuérpia, do centro e do norte da Europa, mas também Veneza, Roma, Nápoles, Florença, Sevilha ou Valência figuram no exemplar lisboeta.

Segundo Penelope Gouk, a maior parte do marfim que era usado pelos artífices de Nuremberga na feitura destes instrumentos de medição do tempo provinha de Lisboa (local de chegada das presas vindas de África, comercializadas pelos portugueses), de onde irradiava para toda a Europa de então.

Quem poderá ter usado as meridianas de Gebhart e de outros mestres seus conterrâneos? “Só o facto de este tipo de instrumento ser ajustável geograficamente indica desde logo que se tratava de objectos para distribuição alargada para além das fronteiras da cidade ou de um país”, diz-nos a especialista. “Embora este tipo de meridiana pudesse ser utilizada em todas as cidades a que fazia referência, a função real da lista de metrópoles era indicar que o seu possuidor era alguém que necessitava dessa informação. Da mesma maneira que as agendas de hoje incluem mapas, listas de aeroportos, datas de feriados e eventos religiosos em muitos países, enquanto relógios de pulso podem indicar tempos de até oito cidades espalhadas pelo mundo, mediante o simples toque de um botão. Estes objectos podem ser usados por pessoas que nunca vão para além cidade mais próxima, mas que gostam de imaginar viagens pelo mundo. Posto em termos modernos, os artífices de bússolas e meridianas conseguiam 'embrulhar' com imaginação um conceito de viagens pelo estrangeiro para todo aquele com dinheiro suficiente para comprar os seus instrumentos”.

Está documentado que havia relações comerciais intensas entre Lisboa e Nuremberga nos séculos XVI e XVII. Em Janeiro de 1507, por exemplo, Michael Behaim escreveu de Nuremberga ao seu irmão Wolfgang, sediado em Lisboa, agente ou sócio comercial da família Hirschvogel, igualmente daquela cidade. Eles eram irmãos de um mais conhecido Martin Behaim, famoso pelo globo terrestre que ajudou a construir em 1492. A família era proveniente da região de Schwarzbach (Boémia), embora se tenha radicado em Nuremberga no século XIII, passando os seus membros a serem conhecidos pelos Behaim (boémios).

Por essa altura, finais do século XV, morre Catarina de Áustria, irmã do imperador Carlos V, viúva de D. João III. Dos róis da rainha faziam parte relógios mecânicos, ampulhetas e relógios de sol.

Bartolomeu Velho, cartógrafo que exerceu a sua actividade na segunda metade do século XVI, nasceu em Lisboa em data desconhecida e faleceu em Nantes em 1568. Aliciado a servir o rei de França, enviou-lhe uma lista com uma série de instrumentos que dizia de sua invenção, entre eles relógios de sol universais.

Em 1603, Manuel de Figueiredo (1568-1630), natural de Torres Novas, publicava em Lisboa uma Cronografia – Reportório dos Tempos, onde inclui um capítulo dedicado ao “Tratado dos Relógios horizontais, verticais, laterais, declinantes, e universais ou polares”.

Em 1612, o cosmógrafo Gaspar Cardoso de Sequeira publicava em Coimbra o “Tesouro dos Prudentes”, mencionando no capítulo IV — “Da Esfera — Maneiras de fazer quadrantes para tomar altura, fabricar relógios diurnos e nocturnos, medição de horas planetárias... etc.”

Em 1620, Frei Nicolau de Oliveira, no seu “Livro das Grandezas de Lisboa”, refere que trabalhavam na altura na capital três relojoeiros de relógios de sol e outros tantos de relógios de ferro.

O jesuíta Valentim Estancel escrevia em 1660 o “Tiphys Lusitano ou Regimento Náutico Novo”, “o qual ensina a tomar alturas, descobrir os meridianos e demarcar as variações da agulha a qualquer hora do dia ou da noite, com um discurso prático sobre a navegação de leste a oeste”. O padre Estancel, que faleceu em 1750, foi professor de Matemática em vários estabelecimentos de ensino, nomeadamente o real Colégio de Santo Antão, em Lisboa.


Em 1678, o padre António Carvalho da Costa publicava em Lisboa o “Tratado compendioso da fabrica e uso dos relógios de sol”. Dividida em quatro secções, a obra trata “de alguns problemas de Geometria práctica necessários para a inteligência e construção dos relógios de sol por regra e compasso e por trigonometria”, dá exemplos de “vários relógios universais” e de “relógios de sol delineados pelo globo”. A obra foi impressa na oficina de António Craesbeeck de Mello. O dicionário de Inocêncio refere-se a apenas 3 exemplares conhecidos. Um deles, encadernado em pergaminho, encontra-se hoje na Biblioteca da Marinha, em Lisboa.

No prólogo, Carvalho da Costa diz: “Enquanto, curioso leitor, vou pondo em limpo a nossa Astronomia Metódica, te ofereço este compêndio-tratado dos relógios; para que a práctica deles te introduza melhor em o conhecimento daquela. Por serem estas duas matérias tão colgadas, e tão filhas de uns mesmos princípios, que, o que uma demonstra nas luzes da razão, faz outra patente nos raios do sol, antevendo-lhe os movimentos, e medindo-lhe os passos — Já com demonstrações intelectuais, já com o Regra e Compasso na delineação das sombras, correndo entre ambas a execução e teórica tão reciprocamente unidas, que fica parecendo a Gnomómica uma Astronomia palpável — e esta uma Gnomónica puramente inteligível”.

Presbítero secular, natural de Lisboa, professor de Matemática, Carvalho da Costa (1650-1715) é especialmente conhecido pela sua “Corografia Portuguesa e descrição topográfica do famoso reino de Portugal, com as notícias das fundações das cidades, vilas e lugares que contém; varões ilustres; genealogia das famílias nobres; fundações de conventos; catálogos dos bispos; antiguidades; maravilhas da natureza, edifícios e outras curiosas observações” (três tomos, editados de 1706 a 1712). Barbosa Machado, na “Biblioteca Lusitana”, atribui-lhe também a composição de Prognósticos (almanaques), que diz terem sido publicados com outro nome de 1684 a 1701.

*primeira parte de artigo escrito em 2006 para o site do Instituto Camões

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